A ESCOLA QUE ME VIU CRESCER.
Que pena tenho de ver o estado ruinoso em que se encontra a escola onde aprendi ler e a escrever! Já desactivada há alguns anos, por falta de crianças.
Era sempre nos primeiros dias de Outubro que a escola iniciava as aulas. Foi em 1951,que ansiosamente, esperei durante todo aquele verão escaldante que afinal, era o dia também aguardado por todas as crianças da minha idade. Todos os anos as aulas começavam dia um de Outubro infalivelmente. Era o primeiro dia de aulas. Sacola às costas e saco da merenda. Subíamos e descíamos os caminhos que nos levavam à Escola do Moledo. Vagarosamente, perplexo e até com algum receio daquele “mundo novo”, mas desejoso de sentir e de conhecer a professora e os novos companheiros.
Nesse dia éramos acompanhados pelas nossas mães para sermos entregues ao zelo, paciência e cuidados da já respeitada professora. A professora de bata branca, aguardava-nos à entrada da escola. Após os cumprimentos habituais uma “festinha”na cabeça das crianças, a professora dava as suas indicações aos pais sobre os horários, faltas, merenda e agasalhos que considerava essenciais. Ouvia os pais sobre os hábitos e temperamento dos futuros alunos. Indicava os livros e material escolar a adquirir. Recomendava vigilância sobre o trabalho de casa. Avisava os pais que tivessem possibilidades, do contributo obrigatório de cinquenta centavos por mês para a “caixa escolar”que havia de servir para compra de material escolar dos alunos mais necessitados e de alguns produtos de consumo na sala de aula.
A conversa terminava quase sempre com uma recomendação dos pais. “Senhora Professora faça o que puder. Se ele se portar mal chegue-lhe a roupa ao pelo”. A professora Maria Orlanda, ria e com um sorriso angélico, disse: “eles vão portar-se bem”. Era ainda bastante jovem, e dava aulas às quatro classes.
Quando entrei na grande e iluminada sala, com cinco janelas voltadas para o rio Douro, vendo passar os clássicos comboios a carvão era uma alegria para a pequenada. As carteiras de madeira, para dois alunos, com tampo inclinado e tinteiro de porcelana branca encrostados, estavam rigorosamente alinhadas. No meio da sala entre elas dois corredores por onde a professora podia livremente andar, vigiar e corrigir os trabalhos dos alunos. Num dos extremos da sala, um grande estrado de madeira formava um plano mais elevado, sobre ele, a secretária da professora em madeira e a cadeira. Do lado esquerdo da secretária o grade quadro negro de ardósia emoldurado a madeira que na parte inferior, terminava numa prateleira, onde alguns pedaços de giz branco, uma esponja de trapo e uma “cana da Índia”que servia de ponteiro no quadro.
À esquerda da secretária quatro mapas pendurados na parede: mapa-mundo, mapa de Portugal continental e Ilhas e mapa do corpo humano.
Ainda por cima do quadro um grande crucifixo, ladeado pelas fotografias de Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Dr. António Oliveira Salazar.
Neste ano os alunos aumentaram e as carteiras não chegavam para todos. Tiveram de transferir alunos para a Escola da Torre e Valclaro.
Foi aqui nesta escola do Moledo que “desertei” do analfabetismo e ingressei no mundo dos letrados, com uma cantiga tão simples como o A E I O U. Daqui vieram as bases bem consistentes que depois pude, felizmente, desenvolver. Recordo hoje todo aquele ritual e o ambiente, afinal alegre do primeiro dia de aulas e dou comigo a pensar, estaria tudo mal? Seria necessário mudar tanta coisa que mudou? Estará hoje o mundo escolar como desejaríamos que estivesse? Não terão desaparecido alguns hábitos, regras e valores éticos e sociais que a manterem-se nos trariam uma mais sã e perfeita convivência humana?
Para mim tudo o que me ensinaram, tudo o que vi e ouvi e todo o respeito que me incutiram, foi muito útil pela vida fora. Tão útil que me permitiu hoje “alinhar este escrito”, sem sobressaltos, com respeito por todos e honrar também a memória da minha professora Maria Orlanda, amiga e pedagoga, a quem eu e muitas crianças do meu tempo, estamos hoje muito gratos.
Na verdade o tempo passa tão depressa, que os dias passam à velocidade do sol, mas perante Deus ninguém é esquecido.
Frei José Jesus Cardoso
domingo, 20 de junho de 2010
ESCOLA DO MOLEDO
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