domingo, 20 de junho de 2010

ESCOLA DO MOLEDO

A ESCOLA QUE ME VIU CRESCER.


Que pena tenho de ver o estado ruinoso em que se encontra a escola onde aprendi ler e a escrever! Já desactivada há alguns anos, por falta de crianças.
Era sempre nos primeiros dias de Outubro que a escola iniciava as aulas. Foi em 1951,que ansiosamente, esperei durante todo aquele verão escaldante que afinal, era o dia também aguardado por todas as crianças da minha idade. Todos os anos as aulas começavam dia um de Outubro infalivelmente. Era o primeiro dia de aulas. Sacola às costas e saco da merenda. Subíamos e descíamos os caminhos que nos levavam à Escola do Moledo. Vagarosamente, perplexo e até com algum receio daquele “mundo novo”, mas desejoso de sentir e de conhecer a professora e os novos companheiros.
Nesse dia éramos acompanhados pelas nossas mães para sermos entregues ao zelo, paciência e cuidados da já respeitada professora. A professora de bata branca, aguardava-nos à entrada da escola. Após os cumprimentos habituais uma “festinha”na cabeça das crianças, a professora dava as suas indicações aos pais sobre os horários, faltas, merenda e agasalhos que considerava essenciais. Ouvia os pais sobre os hábitos e temperamento dos futuros alunos. Indicava os livros e material escolar a adquirir. Recomendava vigilância sobre o trabalho de casa. Avisava os pais que tivessem possibilidades, do contributo obrigatório de cinquenta centavos por mês para a “caixa escolar”que havia de servir para compra de material escolar dos alunos mais necessitados e de alguns produtos de consumo na sala de aula.
A conversa terminava quase sempre com uma recomendação dos pais. “Senhora Professora faça o que puder. Se ele se portar mal chegue-lhe a roupa ao pelo”. A professora Maria Orlanda, ria e com um sorriso angélico, disse: “eles vão portar-se bem”. Era ainda bastante jovem, e dava aulas às quatro classes.
Quando entrei na grande e iluminada sala, com cinco janelas voltadas para o rio Douro, vendo passar os clássicos comboios a carvão era uma alegria para a pequenada. As carteiras de madeira, para dois alunos, com tampo inclinado e tinteiro de porcelana branca encrostados, estavam rigorosamente alinhadas. No meio da sala entre elas dois corredores por onde a professora podia livremente andar, vigiar e corrigir os trabalhos dos alunos. Num dos extremos da sala, um grande estrado de madeira formava um plano mais elevado, sobre ele, a secretária da professora em madeira e a cadeira. Do lado esquerdo da secretária o grade quadro negro de ardósia emoldurado a madeira que na parte inferior, terminava numa prateleira, onde alguns pedaços de giz branco, uma esponja de trapo e uma “cana da Índia”que servia de ponteiro no quadro.
À esquerda da secretária quatro mapas pendurados na parede: mapa-mundo, mapa de Portugal continental e Ilhas e mapa do corpo humano.
Ainda por cima do quadro um grande crucifixo, ladeado pelas fotografias de Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Dr. António Oliveira Salazar.
Neste ano os alunos aumentaram e as carteiras não chegavam para todos. Tiveram de transferir alunos para a Escola da Torre e Valclaro.
Foi aqui nesta escola do Moledo que “desertei” do analfabetismo e ingressei no mundo dos letrados, com uma cantiga tão simples como o A E I O U. Daqui vieram as bases bem consistentes que depois pude, felizmente, desenvolver. Recordo hoje todo aquele ritual e o ambiente, afinal alegre do primeiro dia de aulas e dou comigo a pensar, estaria tudo mal? Seria necessário mudar tanta coisa que mudou? Estará hoje o mundo escolar como desejaríamos que estivesse? Não terão desaparecido alguns hábitos, regras e valores éticos e sociais que a manterem-se nos trariam uma mais sã e perfeita convivência humana?
Para mim tudo o que me ensinaram, tudo o que vi e ouvi e todo o respeito que me incutiram, foi muito útil pela vida fora. Tão útil que me permitiu hoje “alinhar este escrito”, sem sobressaltos, com respeito por todos e honrar também a memória da minha professora Maria Orlanda, amiga e pedagoga, a quem eu e muitas crianças do meu tempo, estamos hoje muito gratos.
Na verdade o tempo passa tão depressa, que os dias passam à velocidade do sol, mas perante Deus ninguém é esquecido.

Frei José Jesus Cardoso

2 comentários:

JGD disse...

Tambem eu fui aluno desta Escola.
Tive como profesoras 1ª. Classe 1961/1962 - Maria da Conceição Sarmento de Almeida ( a Mariazinha de Valclaro ); da 2ª. Classe 1962/1963 - Maria de Fatima Aguiar Pais, de Castaínço-Penedono. Da 3ª. classe 1963/1964, Aida Fernandes de Almeida, de Baiões - S. Pedro do Sul e da 4ª. classe 1964/1965, Martinha de Jesus Pereira, de S. João da Pesqueira.
Já passaram muitos, muitos anos, porém, eu nunca mais esqueci as minhas professoras primárias, tanto que, no dia 14AGO2010, fui reencontrar a da 3ª. classe em S. Pedro do Sul. Hoje mesmo (27AGO2010), vou-me reencontrar com a da 2ª. classe, que reside em Famalicão. Falta contactar e estou a fazer esforços para tal, a professora da 4ª. classe, sem esquecer a da 1ª. classe que embora resida em Lamego, todavia, acho que depois daquela epoca apenas falei com ela uma unica vez. Fiz uma promessaa mim mesmo durante estes anos todos que as deveria reencontrar e dizer-lhes obrigado.

Sérgio Rodrigues disse...

Prezado Frei Cardoso,
Encontrei o seu blogue quando procurava informação sobre Elvira Correia Dias que frequentou o curso de Ciências na Universidade de Coimbra em 1913-1914. Presumo que seja irmã de Fernando Correia Dias que referiu há uns anos. Tem alguns dados sobre esta Senhora?
Obrigado,
Sérgio Rodrigues

 
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