terça-feira, 3 de julho de 2007

A GRAÇA DE COMPREENDER

Compreender alguém, alguma coisa, é ser, no momento, esse mesmo que se compreende. É viver e pensar o outro de tal forma que fique a existir dentro de nós. E passamos a sentir o que ele pensa sente, a passar o que ele passa, a ser o que ele é.
A compreensão é a descoberta do outro em nós. É a experiência de uma igualdade.
Nunca como hoje, se falou tanto em diálogo, em encontro. Compreender é, nos dias de hoje, a grande preocupação da vida. Pode, à primeira vista, parecer tarefa fácil , mas não é. Exige renúncia, desprendimento, sacrifício.
A pessoa humana exige essa renúncia. E merece-a.
Como é possível amar sem compreender?
E como se pode compreender, se não nos debruçamos conscientemente sobre o outro?
Há uma compreensão instintiva, natural. A que se tem, por exemplo, ao olhar demoradamente uma flor, ou uma chama de uma vela, descobrir que há qualquer coisa dentro de nós que se irmana, que é da mesma natureza. Não sabemos bem o que é, mas temos a certeza de que há em nós um convite interior, como a própria flor a pedir que sejamos flor, a chama a pedir que sejamos chama...
Subimos ao cume nevado de uma montanha. Ao colocarmos os pés sobre a neve, há em nós um sentimento de receio, uma espécie de remorso por irmos marcar de pegadas negras a brancura daquele manto. Como se, por um momento, deixasse-mos de ser quem somos e pudéssemos ser neve, sentir a dor daquela profanação... Quando esse sentimento nos deixa e marcamos os pés na neve, colhemos a flor ou apagamos a chama, outra dor substitui a primeira. É a dor do retorno. Nesse momento, deixamos de ser flor, para voltarmos a ser nós mesmos. E há uma espécie de saudade, uma pena de não sermos fiéis ao convite, de termos desprezado alguém que nos reclama.
O mesmo se passa com os homens.
Olhamos outra pessoa. Podemos até não falar com ela. E de repente, um simples gesto, um olhar, acorda em nós um apelo à união ou um movimento de repulsa. E neste momento, tudo começa ou tudo se desfaz. A dor de ser desprezado é grande. A de desprezar acaba por ser maior. Sobretudo se o desprezo envolve separação voluntária. Não confundamos com a solidão que se vota um sábio ou um santo, que a dinâmica do primeiro, silêncio fecundo para a descoberta cientifica, e pode ser extática no segundo, força invisível de atracção e deslumbramento pela Suprema Harmonia. Refiro-me à separação orgulhosa, indiferente ou farisaica, de quem egoisticamente se fecha para não se encontrar com o seu irmão.
Em vão procura ser feliz. A suprema felicidade é o amor e este é difuso de si mesmo. Expande-se naturalmente, comunica-se, alastra. A maior dificuldade da compreensão está no não encontramos qualquer afinidade entre o eu e o tu que se nos depara.
É que alegrar-se alguém com a alegria alheia é bem mais difícil que chorar com quem chora...

Fr. José de Jesus Cardoso, OFM.

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